O Público de hoje reconfortou-me bastante; por revelar que nas duas sondagens efectuadas sobre “Os Grandes Portugueses” os resultados são bastante proximos do que seriam as minhas escolhas, caso tivesse sido inquirido. Afonso Henriques e Camões nos primeiros lugares. O primeiro pelos motivos obvios, o segundo pela matriz do imaginário da portugalidade em que constituiu.
Não, não é apenas aquele confortozinho que resulta do encontro de opiniões semelhantes à nossa e portanto de uma espécie de sintonia. É principalmente o conforto que resulta da compreensão. Por mais explicações que se dêem, a opção dos portugueses por qualquer dos três vencedores do concurso da RTP não seria por mim compreensível nem aceitável.
Aliás, alinhar pela generalidade da opinião publicada é, quanto a mim, um enorme erro.
A opinião publicada tendeu a desvalorizar os resultados do concurso da RTP, alegando que se trata de um concurso e nada mais do que isso. Que não representa nada e que portanto não tem quaisquer consequências. Mais, nalguns casos chegou-se ao ponto de culpabilizar o actual estado das coisas, nomeadamente da educação, pelos resultados da votação.
Eu diria que é um erro crasso. Pelos números que foram sendo anunciados, feitas algumas contas, descontando votos de protesto e provocações, haverá pelo menos uns 100.000 portugueses a votar em Salazar e aproximadamente metade a votar em Cunhal.
Os votos em Cunhal são absolutamente reveladores; “Assim se vê a força do PC”, nada mais.
Já os votos em Salazar são deveras incomodativos, porque traduzem uma força de, pelo menos 100.000 apoiantes mobilizados e activos, à espera de uma oportunidade para se fazerem ouvir e eventualmente à espera de uma liderança. Note-se que não se trata de uma escolha desinteressada, nem de resultado de persuasão eleitoral, nem coisa que o valha. Não, trata-se de pessoas que conheceram bem o Estado Novo e vivem à trinta anos em democracia. Conhecem o autoritarismo e a liberdade, e estão disponíveis para prescindir de uma parte desta ultima em prol das “virtudes” que viviam sob o fascismo.
Além disso estão mobilizados para se manifestarem, eventualmente para agir. O que, para quem anda na rua, não pode constituir surpresa.