quinta-feira, outubro 26, 2006

Recensão ao "Pessoas, animais e outros que tais"

Por Filipe Moreira

“O invulgar do quotidiano em narrativas tradicionais”
Domingos Pintado é um antigo professor de Liceu, hoje aposentado, portuense de gema e amante do que se tem por hábito apelidar de prazeres da vida - um bom cigarro, um bom vinho, uma bela mulher, uma bela conversa. Para além disso, adora contar histórias (ou estórias, para usarmos uma palavra que acentua o seu carácter ficcional). Precisamente um conjunto de estórias é o que este antigo professor de Liceu nos oferece em Pessoas, animais e outros que tais . Estórias à maneira antiga, se quisermos, dessas que relevam do prazer de serem contadas, e de pouco mais. Apraz-nos acentuar este ponto, depois de, ao longo do século XX, tanto se ter proclamado, em tonalidades diversas, a morte da narrativa tradicional, a qual se limitaria a provocar no leitor a ânsia de seguir o rumo dos acontecimentos. Facilmente se constata como, apesar de tantos e tão veementes ataques, continuamos, hoje como ontem, a sentir um indesmentível conforto sempre que ouvimos o "era uma vez...", ou fórmulas afins. E textos como estes do Dr. Domingos Pintado muito contribuem para esse indesmentível conforto.

As estórias deste volume são, todas elas, pedaços do quotidiano (do próprio Dr. Pintado ou de outrém) marcados pelo insólito, pelo pitoresco ou por uma discreta exemplaridade. Através delas, ficamos a conhecer uma simpática velhinha que compra um prato porque a figura que ele tem estampada lhe lembra o seu pai, do qual não possui nenhuma fotografia ("O Retrato"); um mentiroso inveterado que acaba vítima das suas patifarias ("O Cinéfilo"; "Pelúcia"); o burrinho que morre de desgosto por ter perdido um fiel companheiro ("O burro do marquês"); um simpático agricultor particularmente afeiçoado à sua vaca ("A Gertrudes"); e tantos outros.

Traço comum a estes textos é o ambiente portuense, ou nortenho, em que se desenrolam, dando-lhes uma cor local bem conseguida e reforçada pelo uso de diversos termos do calão ("madameco", "neres", etc.). Quem conhecer bem o Porto actual, ou o de há algumas décadas atrás, por certo não deixará de o reconhecer no retrato que aqui nos é apresentado. Retrato físico, mas também social, que se detém no ambiente dos alfarrabistas, dos cafés, das cooperativas culturais, dos bordéis ou dos Liceus.

Um aspecto curioso deste livro é o facto de as suas narrativas se escalonarem no tempo, desde as primeiras, cuja acção decorre, ainda, no Portugal salazarista, até às últimas, já dos nossos dias. Constituem, por isso, um quadro evolutivo da sociedade portuense e portuguesa, através do qual nos vamos apercebendo das mudanças e das resistências às mudanças que se têm verificado nas últimas décadas. Para além disso, esta arrumação permite-nos seguir a evolução e as transformações do Dr. Pintado. Vamo-lo acompanhando em vários momentos da vida, desde quando professor e casado, até quando vendedor de antiguidades, viúvo e acompanhado pelo cão Púchkin, o que nos provoca algumas surpresas.

Quem diria, por exemplo, que o Dr. Pintado, pacato frequentador de bibliotecas e fidelíssimo a sua esposa, seria capaz de viver uma aventura tão fortemente erótica como a que nos narra em "O preço da Ilusão"? Embora tenha mudado (ou tenha parecido mudar), há, igualmente, aspectos em que foi permanecendo igual. Um caso paradigmático é a sua constante e por vezes dolorosa autoculpabilização pela inércia com que, ao longo dos anos, foi assistindo às marés políticas, incapaz de se opôr ao salazarismo ou aos abusos posteriores, e considerando-se pertencente a uma «esquerda tardeira, pós-Abril, com que nos vingávamos de termos tido o que merecêramos durante cinquenta anos... esquerda que baste para apagar essa memória, expiar essa culpa...» (in "Para que presta um Homem?"). Constante, também, o seu gosto por contar estórias, o que o leva a registá-las num caderno e a prometer-nos mais algumas, «caso o Dr. Pedro Batista dê o seu aval». Porque, falta dizê-lo, se ficámos a conhecer o Dr. Domingos Pintado, devêmo-lo a Pedro Baptista, portuense, professor de Filosofia e escritor.

Baptista, Pedro. Pessoas, Animais e Outros que Tais, Porto: Campo das Letras, 2006.

segunda-feira, outubro 02, 2006

Irá Durão Barroso defrontar Sócrates em 2009?

Vale a pena (ou nem por isso) lêr esta noticia no semanário....

Deixo algumas pérolas:

"Durão Barroso pode não ter espaço para ser candidato presidencial, depois de Cavaco Silva. À frente do Presidente da Comissão Europeia, a esquerda tem um nome forte que está a gerir magistralmente também o seu regresso a Portugal: o antigo primeiro-ministro e actual alto-comissário das Nações Unidas para os Refugiados, António Guterres. Por isso, querendo regressar ao País, o único lugar disponível para Durão Barroso terá de ser o de primeiro-ministro.
Irá Durão Barroso defrontar José Sócrates nas próximas legislativas de 2009? Tudo indica que sim."

"Esse foi, aliás, o percurso do último Presidente da Comissão Europeia, Romano Prodi, actualmente primeiro-ministro em Itália, depois de ter derrotado o primeiro-ministro Sílvio Berlusconi, que se candidatava à reeleição."

"... o Presidente Barroso pode sair depois de uma reforma que pode marcar o futuro da união política europeia, ultrapassando as hesitações que actualmente dominam a Europa depois do chumbo da Constituição Europeia. Ou em alternativa, não sendo possível o acordo e agravando-se a crise europeia e a própria credibilidade das instituições e do euro, a saída intempestiva de Barroso no fim do primeiro mandato pode ser politicamente significativa no quadro europeu, como alerta para o facto desta Europa fazer pouco sentido como bloco político, num mundo cada vez mais globalizado, e onde os desafios não serão apenas referentes ao terrorismo, mas também à segurança dos recursos naturais e da energia."

"... o eventual interesse de Barroso poder querer suceder a Cavaco Silva como Presidente da República. Mas Durão Barroso pode já ter percebido que essa hipótese pode não ser interessante, não só porque o Presidente Cavaco Silva pode bem fazer um segundo mandato, atirando a sua saída de Belém para depois de 2015, como será arriscado para Barroso defrontar António Guterres, o candidato natural da esquerda, que contará com o apoio do PS e que regressará ao País prestigiado pelo mandato nas Nações Unidas. Deixando de lado Belém, o regresso de José Manuel Durão Barroso deveria ser bem em cima das eleições, acabando por jogar bem o mandato de Bruxelas com o fim da legislatura em Portugal."


"... Marcelo poderia ter preparado as coisas para o seu regresso ao PSD, sendo claramente o mais credível militante para liderar a oposição a Sócrates e com tempo construir uma alternativa política. Mas, mais uma vez, o comentador da RTP errou tacticamente e preferiu elogiar o desacreditado Marques Mendes, desvalorizando-se a si próprio e, sobretudo, desacreditando-se na multiplicação de comentários - sendo os mais negativos sobre justiça desportiva."

"...Barroso não elogia Mendes, mas, ao contrário de Marcelo Rebelo de Sousa, o Presidente da Comissão Europeia não elogia Marques Mendes, deixando assim campo livre para uma ofensiva sua a seu tempo. E ao entrar em jogo, sobretudo se houver a reforma das leis eleitorais - facilitando as maiorias absolutas -, Barroso e a direita poderiam mesmo sonhar com uma nova maioria absoluta do PSD.Esse jogo é contudo o pior que poderia acontecer ao CDS de Paulo Portas. Portas está a preparar o seu regresso ao CDS, uma jogada política que acaba por interessar ao PS de José Sócrates que, deste modo, estabiliza a oposição interna e ameaça a esquerda com um eventual Governo PS-CDS, caso o PS perca, em 2009, a sua maioria absoluta. Mas, por outro lado, o regresso de Barroso poderá abrir também uma janela de oportunidade para a renovação da AD."

"... Mas para o próprio Governo socialista e para Belém, os "timings" podem acelerar-se logo no início de 2008 se a situação económica piorar surpreendentemente: nesse caso, o PS poderia querer antecipar as legislativas, antecipando-as para renovar a maioria absoluta e, caso a perdesse, sempre teria Paulo Portas no CDS para se coligar. Uma situação que deixaria o PSD de fora e através da qual Portas e Sócrates ponderariam funcionar como uma tenaz, roubando pela esquerda e pela direita espaço eleitoral ao PSD. E neste contexto a presença de Marques Mendes seria essencial, até porque o prestígio do Presidente da Comissão Europeia poderia colocar em causa tal estratégia de redução do espaço político do tradicional PPD/PSD."

De volta,

Após uma merecidas férias e uns quantos trabalhos forçados, acrescidos de uma ausência em terras de Espanha por motivos académicos cá estou de volta.

O Sede está em período de acalmia, tal como os mandatos políticos! Existe pouco fervor e a "silly season" já se estende à algum tempo. Por isso como diria a minha avó: Para dizer asneira mais vale estar calado.

Mas também não exageremos, calados mas nem tanto. Por isso e por outras coisas também devemos escrever aqui e ali algumas coisas.

Começava por isso por relembrar que O PS vai para congresso em breve. Não tendo isto nenhuma novidade, parece preocupante a pouca mobilização em torno de um debate oportuno que isso está a gerar.