terça-feira, março 14, 2006

Um, dois, esquerdo, direito...


Eu sei que é mais ou menos recorrente esta questão do significado actual da divisão esquerda/direita, assim como já foi por demais debatida a desadequação entre os programas e as designações dos partidos políticos e a sua actual práctica e ideário:
Será que o PS ainda é socialista?, o PSD social-democrata?, o CDS será um partido do centro?
Então os outros são todos da esquerda?
Já emiti a opinião que o comportamento dos militantes e simpatizantes partidários era muito semelhante ao dos adeptos de clubes de futebol, pelo menos na racionalidade com que efectuam as suas análises.
O "Atento" colocou este comentário numa outra caixa de comentários e autorizou-me a citá-lo.
Penso que pode ser o "pontapé de saída" para uma boa discussão:
Quem quer jogar?
"O que significa ser de direita e ser de esquerda?
Uma vez vi um cartoon que me pareceu lapidar.
Fazia-se o contraponto entre o ser-se adepto de um clube de futebol e o ser-se partidário de uma determinada ideologia política.
Concluia-se que no primeiro caso, ama-se um clube de futebol como se tal representasse uma ideologia, que dissesse que género de pessoas somos, que defenisse a nossa personalidade.
Enquanto que relativamente à ideologia política parece que se escolhe ser "assim ou assado" só porque se resolveu "ser assim ou assado", não por causa do substracto ideológico, mas apenas porque foi o que calhou.
E de facto, muitas vezes é o que me parece, sobretudo numa certa direita.
ATENTO"
António Moreira

14 comentários:

AM disse...

Caro Atento

Vamos lá então pôr a bola em jogo:

“É de facto um tema apaixonante, a dicotomia esquerda/direita.
Penso que a diferença reside na visão que se tem sobre o homem e a forma como deve este ser orientado pela sociedade e pelo Estado.”

Não estou de acordo com esta frase, pois, em minha opinião a sociedade é o agregado dos “homens” e da sua interacção e o Estado a forma como os “homens” decidiram (mais ou menos “democraticamente” é outra história) organizar-se em sociedade.

Para mim o Estado tanto poderá ser só uma espécie de “administrador de condomínio” onde as diferenças esquerda/direita tenham mais a ver com a definição da fronteira entre as “fracções autónomas” e as “partes comuns”, como poderá ser (e a mim agrada mais que assim seja) também como que a “família” no sentido em que, para além de cuidar das “partes comuns” e da sua fruição equitativa, tenha também um papel determinante na forma de criar e manter laços de solidariedade entre os membros da sociedade, que procure garantir a igualdade de oportunidades possível na “busca da felicidade” assim como a garantia do acesso de todos às “condições mínimas de dignidade”.

Penso que se se quiser realmente procurar distinguir entre esquerda e direita esta será, pelo menos, uma das abordagens possíveis.

O resto é, pois, futebol.
AMNM

maloud disse...

Atento,
Só esqueceu a frase mais reveladora "Faz falta é outro Salazar!".
Eu ouço isto a gente da minha idade {55, mas não digam a ninguém} ou pouco mais nova, que durante o período do ídolo e do herdeiro não tinham onde cair mortas e hoje, apesar das dificuldades, têm casa e carro, embora os andem a pagar; acesso a bens de consumo, que nem nos seus sonhos mais delirantes imaginavam que existissem; acesso a médicos, apesar das filas de espera {na época não havia espera, mas também não havia médico}; os filhos na Universidade, no tempo do Desejado fariam a 4ªclasse, no do herdeiro o ciclo; direito a férias pagas e a 14 meses de salário.
Há também uma classe que, volta meia volta, lá vem com a mesma ladaínha e que fez fortuna na confusão do PREC. Essa "classe" que se tem como muito esperta, julga que todos os outros são parvos e não sabem descodificar donde e porquê, de repente, apareceram os BMWs, os Mercedes, as moradias de luxo. Essa "classe", além de bronca é ingrata, porque sem o 25, por mais ladinos que fossem, nunca saíriam da cêpa torta.
Quanto às Jotas, meu caro, o jogo é outro. Quando se é criança os papás poderão e normalmente são o modelo. Os meus filhos eram do PS, porque a mãe votava no PS {o pai não diz em quem vota}. Eu costumava dizer que eles gostavam do PS, como gostavam do FCP. Aliás cá em casa fazemos o mesmo "circo" quer se trate de vitórias do PS, quer das grandes vitórias do FCP. Só há uma pequena diferença, nas do FCP ouvimos o "circo" dos vizinhos, nas do PS a festa fica por nossa conta. Mas muitos destes meninos que começaram assim, crescem e, se para além de futebol e telenovela se discutirem outras coisas, fazem as suas escolhas, tornam-se críticos e às vezes até votam no PS, só porque para eles é um mal menor. Outros decidem inscrever-se nas Jotas, e falo só das que fazem parte do "arco da governação"{expressão do Portas tão célebre, como a "dos ciganos do RMG"}. Nunca tinha percebido este fervor em idade de rebeldia. Há tempos, uma conversa casual, revelou-me o segredo. Era melhor para preparar o futuro, começar cedo, estabelecer contactos, meter-se na máquina. Fiquei estupefacta. Isto era dito por alguém cuja família está cheia de contactos. Vou mais longe, sem cair na inconfidência que seria imperdoável, a família é toda ela um grande contacto. Se isto se passa a este nível, imagine-se o jovem que teme não ter emprego no fim do curso. Nada como uma Jota para acautelar o futuro.
Por hoje, acho que basta.

AM disse...

Caro Atento

Fruto da minha idade avançada já não me lembro do que li de Rosseau ou Maquiavel (ou sequer até se os li :-)).

Entretanto de tudo o que já li, e do que continuo a ler, alguma coisa lá vai ficando agarrada ás margens da memória, mesmo sem eu querer, mas, depois de entrar, passa a ser meu e já nem distingo de quem foi antes.
Ou seja, quantas vezes, julgando ter uma ideia original, mais não estou que a recordar algo que li ou ouvi.

Pergunta-me se acredito que a maldade humana possa ser inata…
Olhe, para ser franco, acho que nunca tinha pensado muito nisso, ou melhor, agora que fui instado a isso, recordo-me (vagamente) de o assunto já me ter passado pela mente.
Mas é melhor pensar de novo…

O homem é um animal, apenas isso (para mim que não sou religioso) e eu acredito que não existe maldade no reino animal, nem bondade, apenas instintos, do qual o mais forte será o da sobrevivência.

Mas o homem distingue-se dos restantes animais por ter razão.
Assim, com o correr dos tempos (com o desenvolvimento da “civilização”?), as suas acções terão deixado, em parte(?), de ser determinadas pelos instintos e terão, cada vez mais, passado a ser norteadas pela razão.

Mas, afinal, o que é a “maldade”?
Será um modelo de comportamento em que sobrepomos o nosso interesse próprio, sem cuidar de saber se esse comportamento vai causar dor ou sofrimento a outros, ou, sabendo-o, sem que tal conhecimento contribua para alterar o nosso comportamento de forma a evitar a dor ou o sofrimento a outros?
Ou será que isto é, apenas, um comportamento egoísta mas não realmente “maldade”?

Será que existe apenas “maldade” quando se retira prazer da dor ou sofrimento alheios?

Se for o primeiro caso, maldade igual a egoísmo, então, em minha opinião não será inato mas sim fruto da razão.
Se for o segundo caso, então estamos perante a doença, ou seja, não é inato nem deixa de ser, é doença, pronto.

Mas onde entram os sentimentos?
A solidariedade que deve contrabalançar a razão?
Que dizem Rosseau ou Maquiavel sobre isto?

Mas eu não vejo a dicotomia esquerda/direita à luz da maldade ou da bondade, nem acho que os “homens” tenham que ser guiados para contrariar o mal ou para reforçar o bem.

Penso que tem mais a ver com perspectivas mais individuais (que podem até ser de grupo ou família) ou perspectivas mais gerais (se quiser mais “solidárias”), mas que é que eu sei?

Nada

Por isso gosto da discussão…
Dou o pouco que sei sem o perder, ganho do que outros saibam sem o roubar…

AM disse...

Cara Maloud

Quando lhe pedi para vir comentar ao SEDE era na mira deste brilhantismo, OBRIGADO!!!!

Espero que outros "sedentos" o leiam e, mesmo que não o comentem, ao menos o aproveitem.

Essa do "Faz falta é outro Salazar!" que tantas vezes ouvi e que é tão fácil de arrancar a tantos, se devidamente provocados, define, em minha opinião, não o de "direita", mas sim o "fascista" e esse tanto pode ser de "direita" como de "esquerda" consoante o fervor clubístico.

Também tenho de tudo na família (e nos amigos) mas a verdade é que poucos são aqueles que lêem mais que os títulos de jornais ou se dão ao trabalho de pensar em algo mais que os futebóis ou as novelas.

Mas que votam sempre, ai isso votam!!!!

AMNM

maloud disse...

O Rousseau não tinha razão. A bondade não é inata. É preciso exemplo e educação. Sem isto vem a barbárie. O Émile é delicioso para a época, mas o Voltaire foi mais sagaz.

maloud disse...

Eu também voto sempre. Procuro é ler um pouco mais.

AM disse...

"Gostava de poder dissertar mais sobre isto, se tivesse a bagagem necessária e não apenas a vontade ou o simples vício para o fazer."

Pois, estou como o Atento, e a bagagem é levezinha para estas dissertações.
Olhando para um recém-nascido na verdade ninguém diz no que se pode tornar...
Mas que pode pode...
Agora se já vem assim ou se se torna assim...

Só mesmo se:
"Talvez a nossa cara Maloud, filósofa eloquente, sempre de serviço, nos possa dizer mais."

Até porque os comentários anteriores, pouco mais foram que monosílabos (é assim que se diz?)

(estranho é os "sedentos" militantes não darem aqui uma ajuda, espero que após o dia 18...)

AMNM

maloud disse...

Caro Atento,
Nem filosofa eloquente, o Rousseau e o Voltaire li-os, porque poderia ser filóloga de línguas românicas e, nem sempre de serviço. Só quando me apetece e se me apetece, porque tenho o supremo luxo de praticamente ser dona do meu tempo.

maloud disse...

Amnm,
Quem diz "o que faz falta é outro Salazar", do meu ponto de vista, normalmente não é fascista, nem sabe o que é ser fascista. É mais prosaicamente cretino.

AM disse...

Maloud

"Amnm,
Quem diz "o que faz falta é outro Salazar", do meu ponto de vista, normalmente não é fascista, nem sabe o que é ser fascista. É mais prosaicamente cretino. "

Concedo
Um cretino fascistoide, então :-)
AMNM

AM disse...

Hehe Atento

Não há problema com o chat (enquanto não fôr chato) :-)


AMNM

maloud disse...

Atento,
Tenho que fazer dois esclarecimentos:
1- Não podia ter blog, porque não tenho competência. Só procuro estar atenta ao que se passa e ler um pouco.
2- Neste momento, a pessoa que me proporciona todo o tempo do mundo está doente há 15 dias. Quando ela regressar, entrarei em depressão. Estou com uma overdose de aspirador, esfregona, ferro, máquinas...Até tenho pesadelos.

Quanto à bondade inata, nunca viu as adoráveis criancinhas a torturarem caracóis, formigas, gafanhotos...no campo? Pois é, se não forem educadas a respeitarem intransigentemente o sofrimento e a sentirem compaixão pelos mais vulneráveis, tornam-se iguais aos meninos que torturaram e mataram o travesti a 500m da minha casa. Por vezes, quem educa não se foca no essencial. Anda obcecado com as notas e os charros, e descura este aspecto. Mas para educar não bastam sermões. Eu até me arriscaria a dizer que os sermões são inúteis. É preciso dar o exemplo nos mais pequenos pormenores, porque as crianças detectam, com espantosa facilidade, as pequenas incoerências, e ser-se firme ao menor sinal de violência física e psicológica. Só assim formaremos bons caracteres.
Quanto aos casos patológicos só um psiquiatra é que pode ajudar, se é que pode ajudar.

maloud disse...

Amnm,
Alguns serão cretinos fascistoides. A maioria que vou encontrando, e eu não provoco, porque, depois de dita a frase fatal, passo-me, são só mesmo cretinos. Uns porque não tiveram acesso à inteligência, ou melhor ao uso e treino da inteligência, outros terão tido, mas, como sabe, dá trabalho. E esta gente acha "pesado" ler um artigo de opinião, um livro {só as Margaridas}, debater seja o que for em linguagem mais elaborada que o futebolês. O argumento mais simples para o que está mal é o Salazar. Sabe que a cretinice normalmente é acompanhada pela falta de memória.

AM disse...

Cara Maloud

Esquecendo os cretinos, interessa-me mais focar no 2º parágrafo da sua resposta ao Atento.
Obrigado por o ter escrito e espero, neste e noutros campos, ainda vir a usufruir da sua sabedoria.

Estou como o Atento, se avançar com um blog, estou de véspera "à porta" para não perder uma letra.

AMNM