Fátima Dias Iken
Pergunto-me se o fantasma do Cerco do Porto não estará de regresso. Ele é trincheiras, valas, lutas e guerras, tumultos e burburinhos. Pena que em causa estejam agora, não ideais liberalistas mas sim zaragatas pataratas por causa de... túneis e linhas de metro. Como dizia o outro, mudam-se os tempos, mudam-se as vontades. Mas, reequacionando um cenário comparativo do período 1832-34, Rui Rio e Valentim Loureiro bem podiam ser os nossos D. Miguel e o general Gaspar Teixeira ou o marechal Beaumont. Já agora, o IPPAR e a Comissão Ad Hoc do "S. João" seriam um protótipo de Napier, por exemplo. Desculpem, mas estes episódios sensaborões são tão patetas que o melhor mesmo é gozar com as tropas e desopilar assim os fígados, caso contrário, deprimimos de vez, enfezamos e entristecemos numa cidade sem rumo, com gente equiparável. Numa alegoria portuense, o absolutista Rio seguraria na coroa atabalhoadamente colocada na sua cabecinha, qual D. Miguel atarantado, com a mania da perseguição, e, exaltado, de espada em riste, descabelaria a ministra da Cultura com uma ponteira cuspidela, apelidando-a de traidora. "Uma mulher do Nuorte não ousa fazer destas cousas. Sua valdevinas, que mal pousastes com os costados em Lisboa fazes guerra à tua própria urbe". Aproveitando a maré, Rui Rio (Rui Mete Água) surtiria umas boas chumbadas, da sua arma roubada ao exército francês, arremessada aos senhores do IPPAR, João Rodeia e Lino Tavares de seus nomes. Pires de Lima avançaria, oligofrénica,no meio da poeira e responderia a Rio: "Sua toupeira anarca, seu fuinha que escava para lá da conta, seu absolutista reles, vá andar de calhambeque que é o que você melhor sabe fazer". E esgadanhavam-se. O cenário seria, obviamente, a trincheira do túnel de Ceuta, mesmo em frente ao velho Palácio dos Carrancas (numa certeira premonição, dado o fácies pouco harmonioso da nossa ministra da Cultura), que hoje alberga o Museu Nacional de Soares dos Reis. Estou mesmo a vê-los. De um lado Isabel Pires de Lima e hostes "ipparianas". Do outro Rui Rio e o grupo dos comerciantes descontentes. Uma verdadeira batalha campal, de insultos e tiroteio. Uma coisa de revolver tripas. Rio & Companhia chegariam num Chevrolet de mil oitocentos e carqueja. Pires de Lima aparecia de jacto desde um canhão em Lisboa e citaria Eça, que pouco mais deve saber fazer. Nem jeito para a escolha do cabeleireiro a senhora tem. Por acaso, até tem piada, que por altura das invasões francesas, o edifício do actual Museu Soares dos Reis foi primeiro habitado pelo general Soult e, depois, pelos comandantes ingleses Wellesley e Beresford. Durante o Cerco do Porto, D. Pedro IV instalou aqui o seu quartel-general, mas viu-se obrigado a abandonar o palácio por este se encontrar demasiado exposto ao fogo dos miguelistas, aquartelados em Vila Nova de Gaia, hoje terras do general Menezes. A história tem destas coisas. Engraçado é, aliás, poucos anos após o levantamento do cerco miguelista, mais precisamente em 1838, a Câmara do Porto, evocando a vitória liberal, determinar que a Rua dos Quartéis, hoje de D. Manuel II, passasse a ostentar a designação de Rua do Triunfo. O topónimo então despromovido - Rua dos Quartéis - tivera origem num conjunto de edifícios destinados a aquartelamento militar que ali haviam sido erguidos pelos finais do século XVII... O mais certo é que a partir de agora, a rua se passasse a chamar Rua da Pacovice (já que até Rua de Estaline se chamou nos tempos pós 25 de Abril). Já para as bandas do "S. João", imagino Valentim disfarçado de Beaumont, o general de Argel, a cuspir cobras e lagartos para cima dos médicos Eduardo Guimarães e José Amarante, acompanhado de Oliveira Marques (conde Almer, já agora) que, acocorado atrás do major, mandaria umas boquitas em voz ciciante, mas logo se meteria debaixo da armadura de Valentim, para não apanhar com nenhuma seringa no olho, arremessada por um médico mais afoito. E, pelo meio, as linhas do metro serviriam para segurar as trincheiras de cada facção. Mas o melhor mesmo, para acabar com este novela ensurdecedora e tétrica, seria que se matassem uns aos outros nas ditas trincheiras e... viesse um qualquer marechal Saldanha salvar as honras da pátria. Mas, mais uma vez, mudam-se os tempos... Temos Assis... Ou seja, rebobinemos o filme e esperemos que rapidamente nos situemos em 2070. Com outros personagens. E oxalá que com doses cavalares de Centrum, caso não sejam igualmente pouco dotados, como os actuais. Mas também já cá não estarei para me chatear. É de facto triste que pessoas supostamente adultas não pensem de forma séria projectos da cidade. Tudo chegou ao ponto da anedota. Triste mas assustadoramente real. O palco da encenação, mais uma vez, é o Porto.
sexta-feira, julho 01, 2005
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1 comentário:
Já só dá vontade de falar das coisas assim. è um beelo texto carregado de ironia e verdade
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