por manuel correia fernandes arquitecto e professor catedrático da faup (hoje no JN)
"Vende-se". O letreiro que, hoje, mais se vê na cidade. Há ruas em que já poucas casas restam com vida dentro. Os números das estatísticas confirmam-no. O problema das estatísticas é esse apenas confirmam o que já sabíamos. E, então, já pode ser tarde para arrepiar caminho!
Passar por muitas das ruas da cidade é como entrar num filme de ficção ou mesmo de terror. A uma casa com um mais ou menos discreto letreiro de "vende-se", seguem-se outras sem qualquer letreiro mas cujo aspecto não deixa dúvidas quanto ao seu estado e quanto à situação em que se encontram ou têm as janelas visivelmente fechadas há muito tempo e é por elas que se olha através de densas cortinas de pó, ou têm portas e janelas preenchidas com desgastados taipais de madeira, ou estão encerradas com blocos de cimento, ou, então, é visível o esventramento e, pelo que já foram luminosas aberturas, emerge uma vegetação selvagem que cresce por entre muros caídos e madeiramentos desfeitos e apodrecidos. Por vezes, estas situações sucedem-se a um ritmo assustador de um e outro lado das ruas do centro da cidade mas também de zonas distantes mas que não suspeitaríamos que padecessem já da mesma doença que atacou o centro tradicional.
Esta situação revela uma cidade que morre aos poucos. Não é raro encontrar sinais de que as diferentes situações de abandono não são de agora mas é evidente que, na maior parte dos casos, se trata de situações recentes. Por vezes os velhos letreiros de "vende-se" ou "aluga-se" estão já amarelecidos e mal se vêm. Noutros casos, acompanham esses letreiros, os tradicionais "placares", muitos também já quase apagados, informando que um "projecto de licenciamento de obras" se encontra em fase de apreciação na Câmara Municipal.
É, assim, uma cidade vazia, a que nos surge por detrás de alguma dignidade de que ainda dão mostras muitas das fachadas que se alinham ao longo das nossas ruas e praças. Mas é, também, uma cidade espectante, a que está por detrás dessa aparente dignidade. E não se sabe - apenas se imagina - o que significa este não saber o que poderá ser o dia de amanhã se a morte por inanição total ou se a asfixia pela mais rasca das especulações que, frequentemente, aparece a coberto da pior das soluções que é a de nada acrescentar - se não mesmo a de destruir - em termos arquitectónicos e urbanísticos o que antes existia, desfigurando por completo edifícios e conjuntos equilibradamente concebidos, criteriosamente desenhados e cuidadosamente construídos. E são estas soluções que, infelizmente, continuam a fazer carreira, pela inculta imposição do aberrante princípio de "conservar a fachada", pouco importando, por isso, que a alma da cidade se perca! Ou, então, é o recurso ao simples recuo do alinhamento da fachada dita principal para justificar o aumento - obviamente especulativo - da altura e, portanto, da área total da nova construção que substitui totalmente a que lá estava e dava sentido à rua, à praça ou ao espaço urbano em que o lote se insere.
Evidentemente que não são intervenções deste tipo que vão permitir a sobrevivência e a renovação da cidade. Até porque também estes novos "objectos" apresentam manifestas dificuldades em convencerem o mercado, exibindo, por isso, e em boa parte dos casos, as mesmas placas de "vende-se" que, em muitos casos, também se vão mantendo por ali, durante um período de tempo inusitadamente longo.
Em todo o caso, seja a morte por desaparecimento, seja a morte por substituição, seja a morte por simples demolição ou derrocada, é da morte da cidade que estamos a falar. Ora, a cidade é como os seres vivos nasce, cresce e também morre. A nossa está evidentemente a morrer, ainda que, por momentos, algumas células se renovem. Mas já o não fazem ao ritmo e na quantidade suficiente para que o corpo resista, sobreviva e perdure. Este o drama que em cada dia que passa, passa pela cidade que não encontra quem lhe cuide tanto do corpo como da alma. E, visivelmente, tanto um como outra, ..."vendem-se"!
Passar por muitas das ruas da cidade é como entrar num filme de ficção ou mesmo de terror. A uma casa com um mais ou menos discreto letreiro de "vende-se", seguem-se outras sem qualquer letreiro mas cujo aspecto não deixa dúvidas quanto ao seu estado e quanto à situação em que se encontram ou têm as janelas visivelmente fechadas há muito tempo e é por elas que se olha através de densas cortinas de pó, ou têm portas e janelas preenchidas com desgastados taipais de madeira, ou estão encerradas com blocos de cimento, ou, então, é visível o esventramento e, pelo que já foram luminosas aberturas, emerge uma vegetação selvagem que cresce por entre muros caídos e madeiramentos desfeitos e apodrecidos. Por vezes, estas situações sucedem-se a um ritmo assustador de um e outro lado das ruas do centro da cidade mas também de zonas distantes mas que não suspeitaríamos que padecessem já da mesma doença que atacou o centro tradicional.
Esta situação revela uma cidade que morre aos poucos. Não é raro encontrar sinais de que as diferentes situações de abandono não são de agora mas é evidente que, na maior parte dos casos, se trata de situações recentes. Por vezes os velhos letreiros de "vende-se" ou "aluga-se" estão já amarelecidos e mal se vêm. Noutros casos, acompanham esses letreiros, os tradicionais "placares", muitos também já quase apagados, informando que um "projecto de licenciamento de obras" se encontra em fase de apreciação na Câmara Municipal.
É, assim, uma cidade vazia, a que nos surge por detrás de alguma dignidade de que ainda dão mostras muitas das fachadas que se alinham ao longo das nossas ruas e praças. Mas é, também, uma cidade espectante, a que está por detrás dessa aparente dignidade. E não se sabe - apenas se imagina - o que significa este não saber o que poderá ser o dia de amanhã se a morte por inanição total ou se a asfixia pela mais rasca das especulações que, frequentemente, aparece a coberto da pior das soluções que é a de nada acrescentar - se não mesmo a de destruir - em termos arquitectónicos e urbanísticos o que antes existia, desfigurando por completo edifícios e conjuntos equilibradamente concebidos, criteriosamente desenhados e cuidadosamente construídos. E são estas soluções que, infelizmente, continuam a fazer carreira, pela inculta imposição do aberrante princípio de "conservar a fachada", pouco importando, por isso, que a alma da cidade se perca! Ou, então, é o recurso ao simples recuo do alinhamento da fachada dita principal para justificar o aumento - obviamente especulativo - da altura e, portanto, da área total da nova construção que substitui totalmente a que lá estava e dava sentido à rua, à praça ou ao espaço urbano em que o lote se insere.
Evidentemente que não são intervenções deste tipo que vão permitir a sobrevivência e a renovação da cidade. Até porque também estes novos "objectos" apresentam manifestas dificuldades em convencerem o mercado, exibindo, por isso, e em boa parte dos casos, as mesmas placas de "vende-se" que, em muitos casos, também se vão mantendo por ali, durante um período de tempo inusitadamente longo.
Em todo o caso, seja a morte por desaparecimento, seja a morte por substituição, seja a morte por simples demolição ou derrocada, é da morte da cidade que estamos a falar. Ora, a cidade é como os seres vivos nasce, cresce e também morre. A nossa está evidentemente a morrer, ainda que, por momentos, algumas células se renovem. Mas já o não fazem ao ritmo e na quantidade suficiente para que o corpo resista, sobreviva e perdure. Este o drama que em cada dia que passa, passa pela cidade que não encontra quem lhe cuide tanto do corpo como da alma. E, visivelmente, tanto um como outra, ..."vendem-se"!
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