Ainda a propósito do debate/conversa entre a blogosfera e Francisco Assis, promovido pel’ A Baixa do Porto com a ajuda do SEDE, fui citado pelo Paulo Vaz do Nortugal relativamente às questões da viabilidade/vitalidade do centro vs periferia das cidades contemporâneas.
Permito-me este direito de resposta, não por ver de alguma forma as minhas palavras deturpadas, mas simplesmente porque senti que não foram devidamente contextualizadas.
De facto, nunca referi que o centro (baixa) do Porto não era viável, questionei foi que tipo de viabilização. E exemplifiquei com outras “baixas” de outras cidades, essas sim inviáveis. Assim, referi algumas concepções de cidade que não atribuem viabilidade aos centros, com o intuito de ilustrar duas formas distintas de entender os caminhos possíveis para um “projecto” urbanístico no Porto, uma que podemos considerar mais conservadora e mais próxima do que poderá ser um entendimento “de direita”, e uma outra, mais progressista, e mais próxima do que devia ser assumido pela “esquerda”.
Ambas são opções para o futuro Presidente da Câmara do Porto, mas opções muito distintas.
Pela minha parte entendo, e há muito que defendo (o que muitos outros também entendem e defendem muito antes de mim) que numa cidade como o Porto, dificilmente o centro (leia-se a cidade oitocentista mais uma boa parte dos bairros) poderá ser tão apelativo como as periferias, à semelhança do que acontece na maior parte das cidades ocidentais. Esta realidade é de fácil constatação, na medida em que genericamente o mundo urbano continua a desenvolver-se e a aumentar em relação ao mundo rural, mas nesse mundo urbano, o que efectivamente tem vindo a aumentar são as periferias. As razões são várias, umas mais genéricas, outras mais específicas da cidade do Porto.
Desde logo o custo do espaço, sempre mais inflacionado nos centros urbanos, mas também as características físicas das estruturas urbanas, correspondentes à própria evolução da cidade no curso da história e vulgarmente desadequadas à sociedade contemporânea, cujos modos de vida mudaram como nunca no ultimo século.
No caso do Porto, estas razões relacionadas com a estrutura urbana são ainda mais evidentes do que noutras cidades de génese mais recente, ou de outras cidades europeias, muitas delas fustigadas e parcialmente destruídas pelas sucessivas guerras do século XX. Mas muitas outras razões poderão ser enunciadas para justificar o menor apelo que o centro da cidade exerce para a fixação de largas camadas da sociedade, como o relevo do território, em partes relativamente acentuado, como o emparcelamento do mesmo, característico e arquitectonicamente interessante, mas de alguma forma limitativo, como o dimensionamento de vias, etc.
Nesse sentido, o caminho que tem vindo a ser percorrido e tem sido pretendido, o da reabilitação da cidade tradicional voltada para o retorno e fixação das pessoas (leia-se as que constituem a matriz social) e voltado predominantemente para a função habitar afigura-se como muito difícil e provavelmente condenado ao fracasso.
Esta função da vida humana adquiriu, por via da evolução social, das novas tecnologias, do desenvolvimento das tradicionais, pela oferta de bens e serviços, e principalmente pela via do conhecimento, níveis de complexidade e exigência pouco compatíveis com as estruturas físicas rígidas que herdamos das gerações antecedentes. Habitar, no inicio do século XXI, ou a sua representação no imaginário de uma imensa classe média, significa a dotação do espaço físico da casa de uma série de valências até aqui pouco consideradas.
Como será possível garantir protecção contra o ruído, ou contra a poluição, em vias traçadas antes da existência do automóvel e do autocarro e entretanto permanentemente atulhadas destes meios de transporte? Como será possível reabilitar para habitação os edifícios que delimitam tais vias e garantir a sua integridade arquitectónica em simultaneidade com todas as valências esperadas? E a que custo?
Garantir a integridade arquitectónica não significará abdicar dessas valências e portanto limitar a oferta, e implicitamente estar a promover reabilitação apenas para classes sociais que não se podem dar ao luxo de esperar melhor? Garantir a integridade arquitectónica, suportando o elevado custo que significa dota-la das valências esperadas não significa elevar de tal forma o custo, que implicitamente se está a promover reabilitação apenas para classes privilegiadas?
Por outro lado, abdicar da integridade arquitectónica não significa estar a recuperar coisa nenhuma e a promover apenas um pastiche duvidoso?
E relativamente à segurança, das crianças, por exemplo. Que níveis de segurança são possíveis de garantir num espaço público que foi absolutamente invadido pelos meios de transporte? Será de estranhar a procura de melhores condições nos bairros da periferia?
No entanto, embora a sociedade contemporânea tenha encontrado o palco para o seu modo de vida, para o seu mundo real, nas periferias das cidades, sabemos serem os centros indispensáveis, principalmente numa cidade como o Porto. Apesar da diminuição insistente da sua população residente e apesar do elevado numero de casas e edifícios devolutos.
Um programa urbanístico “de esquerda”, num certo sentido progressista, deverá ser capaz de interpretar todo um leque de preferências da sociedade contemporânea e fazer a sua síntese através da reinvenção de uma boa parte da cidade tradicional. Deverá ser capaz de encontrar novos usos e novas formas para espaços que nos habituamos a “não viver”. Deverá ser capaz de materializar ambições e vontades, sem ignorar os valores de uma cidade que é em parte património da humanidade, mas demonstrando que a contemporaneidade não é estática e que uma das virtudes da urbanidade é a sua capacidade de transformação.
O que aliás, episodicamente, sempre vai acontecendo. Koolhass ofereceu-nos uma outra forma de olhar a cidade, quando projectou a Casa da Música. O Metro do Porto também, ao percorrer caminhos habitualmente ocultos pelas frentes urbanas. Por vezes até uma demolição ou um novo jardim nos permite descobrir um conjunto de fachadas quase imperceptíveis pela estreiteza da rua.
O Porto precisa de se libertar dos constrangimentos impostos por uma divisão administrativa limitadora e por sucessão de mentalidades redutoras, e assumir o seu papel de centro viável de todo uma grande massa populacional e territorial, sem a preocupação de rivalizar com cada uma das múltiplas partes.
O Porto precisa de ver, sem receios, pontualmente alterada a sua estrutura urbana.
A alternativa é a concepção conservadora da cidade, que a entende como palco de um modelo de vida que já não é real. Nem sequer é um ideal. E para ai procura atrair as pessoas, através de mais, sempre mais, programas de recuperação, revitalização e reabilitação, financiados e co-financiados, cuja relação custo/beneficio nunca é, nem poderia ser, devidamente divulgada. Esquecendo-se porém que a cidade é o palco da vida, e onde não há vida de nada serve o palco.
Permito-me este direito de resposta, não por ver de alguma forma as minhas palavras deturpadas, mas simplesmente porque senti que não foram devidamente contextualizadas.
De facto, nunca referi que o centro (baixa) do Porto não era viável, questionei foi que tipo de viabilização. E exemplifiquei com outras “baixas” de outras cidades, essas sim inviáveis. Assim, referi algumas concepções de cidade que não atribuem viabilidade aos centros, com o intuito de ilustrar duas formas distintas de entender os caminhos possíveis para um “projecto” urbanístico no Porto, uma que podemos considerar mais conservadora e mais próxima do que poderá ser um entendimento “de direita”, e uma outra, mais progressista, e mais próxima do que devia ser assumido pela “esquerda”.
Ambas são opções para o futuro Presidente da Câmara do Porto, mas opções muito distintas.
Pela minha parte entendo, e há muito que defendo (o que muitos outros também entendem e defendem muito antes de mim) que numa cidade como o Porto, dificilmente o centro (leia-se a cidade oitocentista mais uma boa parte dos bairros) poderá ser tão apelativo como as periferias, à semelhança do que acontece na maior parte das cidades ocidentais. Esta realidade é de fácil constatação, na medida em que genericamente o mundo urbano continua a desenvolver-se e a aumentar em relação ao mundo rural, mas nesse mundo urbano, o que efectivamente tem vindo a aumentar são as periferias. As razões são várias, umas mais genéricas, outras mais específicas da cidade do Porto.
Desde logo o custo do espaço, sempre mais inflacionado nos centros urbanos, mas também as características físicas das estruturas urbanas, correspondentes à própria evolução da cidade no curso da história e vulgarmente desadequadas à sociedade contemporânea, cujos modos de vida mudaram como nunca no ultimo século.
No caso do Porto, estas razões relacionadas com a estrutura urbana são ainda mais evidentes do que noutras cidades de génese mais recente, ou de outras cidades europeias, muitas delas fustigadas e parcialmente destruídas pelas sucessivas guerras do século XX. Mas muitas outras razões poderão ser enunciadas para justificar o menor apelo que o centro da cidade exerce para a fixação de largas camadas da sociedade, como o relevo do território, em partes relativamente acentuado, como o emparcelamento do mesmo, característico e arquitectonicamente interessante, mas de alguma forma limitativo, como o dimensionamento de vias, etc.
Nesse sentido, o caminho que tem vindo a ser percorrido e tem sido pretendido, o da reabilitação da cidade tradicional voltada para o retorno e fixação das pessoas (leia-se as que constituem a matriz social) e voltado predominantemente para a função habitar afigura-se como muito difícil e provavelmente condenado ao fracasso.
Esta função da vida humana adquiriu, por via da evolução social, das novas tecnologias, do desenvolvimento das tradicionais, pela oferta de bens e serviços, e principalmente pela via do conhecimento, níveis de complexidade e exigência pouco compatíveis com as estruturas físicas rígidas que herdamos das gerações antecedentes. Habitar, no inicio do século XXI, ou a sua representação no imaginário de uma imensa classe média, significa a dotação do espaço físico da casa de uma série de valências até aqui pouco consideradas.
Como será possível garantir protecção contra o ruído, ou contra a poluição, em vias traçadas antes da existência do automóvel e do autocarro e entretanto permanentemente atulhadas destes meios de transporte? Como será possível reabilitar para habitação os edifícios que delimitam tais vias e garantir a sua integridade arquitectónica em simultaneidade com todas as valências esperadas? E a que custo?
Garantir a integridade arquitectónica não significará abdicar dessas valências e portanto limitar a oferta, e implicitamente estar a promover reabilitação apenas para classes sociais que não se podem dar ao luxo de esperar melhor? Garantir a integridade arquitectónica, suportando o elevado custo que significa dota-la das valências esperadas não significa elevar de tal forma o custo, que implicitamente se está a promover reabilitação apenas para classes privilegiadas?
Por outro lado, abdicar da integridade arquitectónica não significa estar a recuperar coisa nenhuma e a promover apenas um pastiche duvidoso?
E relativamente à segurança, das crianças, por exemplo. Que níveis de segurança são possíveis de garantir num espaço público que foi absolutamente invadido pelos meios de transporte? Será de estranhar a procura de melhores condições nos bairros da periferia?
No entanto, embora a sociedade contemporânea tenha encontrado o palco para o seu modo de vida, para o seu mundo real, nas periferias das cidades, sabemos serem os centros indispensáveis, principalmente numa cidade como o Porto. Apesar da diminuição insistente da sua população residente e apesar do elevado numero de casas e edifícios devolutos.
Um programa urbanístico “de esquerda”, num certo sentido progressista, deverá ser capaz de interpretar todo um leque de preferências da sociedade contemporânea e fazer a sua síntese através da reinvenção de uma boa parte da cidade tradicional. Deverá ser capaz de encontrar novos usos e novas formas para espaços que nos habituamos a “não viver”. Deverá ser capaz de materializar ambições e vontades, sem ignorar os valores de uma cidade que é em parte património da humanidade, mas demonstrando que a contemporaneidade não é estática e que uma das virtudes da urbanidade é a sua capacidade de transformação.
O que aliás, episodicamente, sempre vai acontecendo. Koolhass ofereceu-nos uma outra forma de olhar a cidade, quando projectou a Casa da Música. O Metro do Porto também, ao percorrer caminhos habitualmente ocultos pelas frentes urbanas. Por vezes até uma demolição ou um novo jardim nos permite descobrir um conjunto de fachadas quase imperceptíveis pela estreiteza da rua.
O Porto precisa de se libertar dos constrangimentos impostos por uma divisão administrativa limitadora e por sucessão de mentalidades redutoras, e assumir o seu papel de centro viável de todo uma grande massa populacional e territorial, sem a preocupação de rivalizar com cada uma das múltiplas partes.
O Porto precisa de ver, sem receios, pontualmente alterada a sua estrutura urbana.
A alternativa é a concepção conservadora da cidade, que a entende como palco de um modelo de vida que já não é real. Nem sequer é um ideal. E para ai procura atrair as pessoas, através de mais, sempre mais, programas de recuperação, revitalização e reabilitação, financiados e co-financiados, cuja relação custo/beneficio nunca é, nem poderia ser, devidamente divulgada. Esquecendo-se porém que a cidade é o palco da vida, e onde não há vida de nada serve o palco.
1 comentário:
MUITO BEM!!!
Mas para isso acontecer tem que se ter CORAGEM! E ARRISCAR e ser POLÉMICO, ser CONTESTADO, ser PERTURBADOR. Eu arrisco essa diferença.
Raquel
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