Caro João Coelho, meu amigo de muitos anos
Obrigado pela entrevista do Medina Carreira, que finalmente li. O problema é que agora vou ter que te dar uma opinião que vais ter de gramar. Porque é longa e por isso é chata, mas também porque não te deve agradar lá muito. Mas com isso podes tu bem.
Começo pelo que concordo.
Sim, concordo que tem que haver um controlo muito maior da despesa. O Estado tem que diminuir. Mas não integralmente por motivos financeiros e sim porque existem muitas instituições e muitos feudos que não servem para nada que não seja complicar a vida dos outros, das que funcionam ou tentam funcionar.
Sim, concordo, isto é, percebo, que este não é o Portugal de antes e que já não se faz dinheiro. Por isso quando não há, não há. É a bancarrota.
Sim, concordo com as referências ao essencial em detrimento do acessório, claro que se andamos a tentar tratar do merceeiro da mesma forma que a multinacional não vamos a lado nenhum, etc., etc.
Também estou de acordo que a Caixa Geral de Aposentações se integre na Segurança Social. Tal suponho ter tido origem num sistema relativamente equilibrado de remuneração vs regalias que hoje está francamente ultrapassado por acção das diversas e diversificadas capacidades reivindicativas.
E o que não concordo.
Sim, concordo com as referências ao essencial em detrimento do acessório, claro que se andamos a tentar tratar do merceeiro da mesma forma que a multinacional não vamos a lado nenhum, etc., etc.
Também estou de acordo que a Caixa Geral de Aposentações se integre na Segurança Social. Tal suponho ter tido origem num sistema relativamente equilibrado de remuneração vs regalias que hoje está francamente ultrapassado por acção das diversas e diversificadas capacidades reivindicativas.
E o que não concordo.
O senhor põe sempre (SEMPRE) as coisas como se a "massa" estivesse à frente da vontade. Isto é, há massa ou não há massa? Eu acho que a vontade politica se tem que impor às questões económicas e financeiras. Isto é, nós queremos tal e depois vamos arranjar as condições para isso. Pode não ser possível, ou pode ser possível só às vezes, mas se não fosse assim ainda não tínhamos inventado a roda. Traduzindo, primeiro escolhemos querer determinado nível de protecção social (democraticamente, é claro) ou determinado nível de desenvolvimento científico ou cultural, e depois vamos pôr a economia a trabalhar para isso. Não podemos nem devemos fazer o contrário, que é estudar (como diz o homem) o que é que a nossa economia permite e agir apenas "em conformidade". Penso que está bom de ver que a minha modesta opção conduz a progresso (ainda que se admitam falhanços e algumas situações fiquem mal resolvidas) enquanto que a de Sua Sumidade conduz a estagnação para não dizer definhamento. Mais uma tradução (que tu certamente não precisas); se nós quisermos muito construir um teatro cá na terra e formos ver se no orçamento há dinheiro suficiente para ele, pois com certeza que não há. Se se opta por não fazer, não se fez, ponto final. Se se decide fazer com o dinheiro insuficiente que há, pode correr mal, mas é muito possível que o engenho se aguce e se consiga mesmo construir o teatro, e possa haver grupo teatral infantil, e se abram novos horizontes aos miúdos cá da terra.
Também não concordo com a fronteira que pretende criar entre Estado (ler despesas do Estado) e economia. Como se o Estado não fosse também economia. Até existem economias quase integralmente estatais, fracassadas é certo, mas de cujos exemplos, positivos e negativos não nos podemos esquecer.
Relativamente à Dra. Manuela Ferreira Leite, francamente até me choca. Como se não fosse perfeitamente previsível que ela iria tentar conter tudo o que pudesse e como se não fosse perfeitamente previsível que aquilo tudo só podia conduzir a uma maior estagnação e a um menor crescimento e, em consequência a uma muito semelhante incapacidade da economia privada sustentar o Estado. A prova é que três anos depois não estamos sequer na mesma, estamos muito pior. Ela sempre alegou que estaríamos ainda pior, mas qualquer elementar bom senso e uma pequena análise histórica dirá que não, que isso era uma assombração da senhora. Podia-se ter poupado muito sofrimento a muita gente que entretanto teve que viver com muito menos e muita outra que por via do desemprego passou a viver com quase nada.
Não concordo ainda com a questão da verdade e da confiança. Se o Dr. Medina Carreira percebesse um poucochinho que fosse de antropologia saberia que Portugal é um pais latino e que nos países latinos as coisas não funcionam assim. Tem a ver com muitas coisas de ordem cultural que manifestamente o senhor não domina. Para quem vive a desdenhar dos outros, e da seriedade intelectual dos outros, este camarada passa por quase tudo "ao de leve". A confiança num país como Portugal não passa tanto pela verdade e transparência, que evidentemente são sempre necessárias, mas muito mais pela vontade e decisão.
Também não concordo que já em pleno Sec. XXI se continuem a dar e a pretender dar tantos ouvidos a economistas do Sec. XX, alguns ainda em pleno XIX. Principalmente porque (infelizmente) tiveram formações de raiz ainda muito limitadas. Mas esse é um problema geral do país, continua-se a dar ouvidos quase exclusivamente às gerações que chegaram à idade adulta ainda antes do 25 de Abril com as limitações que hoje sabemos que isso implica. Repara, meu caro, que em todas as áreas de actividade os decisores são os mesmos (ou pelo menos é a mesma geração) de há trinta anos. Eu cá acho que se devem conseguir equilíbrios sustentados em várias gerações, para que a experiência de uns complemente a inovação de outros e vice-versa, entre outras coisas. Mas tu e eu sabemos que a geração de Abril se agarrou ao poder e à decisão e é até que a morte os separe. Infelizmente. Só assim se percebe os nomes que o senhor cita como os que deviam ser consultados.
Bom, a do proteccionismo é de espumar no chão a rir. Só corrobora o que acabei de dizer e mostra que o amigalhaço está fino para conversar no café, mas de civilização ainda não percebeu nada.
Mas há mais. Então não é que o senhor fala dos últimos 25 anos e dos dois períodos de franco crescimento e se esquece de referir quem é que estava no poder na altura e é responsável por esse crescimento? Simplifica, diz que foi o petróleo e os juros. Claro que, por coincidência, terem sido governos socialistas não tem nada a ver com o assunto. Nem ajudou um pouquinho. Mas ele lá saberá.
Relativamente ao défice, talvez o Dr. Medina Carreira pudesse ter divulgado qualquer coisa de interessante, como por exemplo os défices dos vinte países mais desenvolvidos do mundo ao longo de todo o Sec. XX. Se deixasse os lugares comuns tipo "temperatura do corpo" e fosse directo à verdade que tanto apregoa, mas a dos factos e não das opiniões, talvez se tornasse mais útil. E nós teríamos com certeza algumas surpresas.
Ah! Gostei daquela parte de dar-mos os braços uns aos outros e esperar que chova. O Scolari bem tentou fazer o mesmo mas afinal choveu foi na Grécia. Nós por aqui não só perdemos o europeu como ainda estamos a viver uma das maiores secas de sempre.
Mais para o fim, as pérolas começam a ser seguidas, nem dá para respirar, mas vamos a elas.
Primeiro quer contrair uma divida publica especial para despedir funcionários do Estado. Quer dizer, gastar dinheiro e JUROS para por o pessoal sem fazer mesmo nada. Mas que pessoal? Certamente o que ele acha que não é necessário ou que trabalha pouco.
Seguidamente não resiste ao populismo fácil de atacar os "dinheiros" dos políticos, a quantidade de deputados e ministros. A divisão geográfica e o número de concelhos, etc. Tudo numa só resposta. É obra.
Mais à frente baralha os valores dos défices como se as circunstâncias fossem as mesmas.
Ainda mais à frente critica o TGV e a OTA como se tivesse estudado profundamente a sua pertinência e, qual Durão Barroso, nem mais um aeroporto enquanto houverem Portugueses com fome, isto é, não se faz TGV enquanto não se fechar a Crill e a VCI. No caso de Durão já lá vão três anos em que conseguimos deitar fora uns bons milhões de euros dos fundos de coesão. Enfim, populismo do mais barato.
Oh! Lembrei-me agora que ao cavalheiro ainda sobra tempo para criticar o mecanismo de diminuição dos dependentes do Estado, que consiste na admissão de um funcionário apenas quando dois passarem à reforma. Guterres chegou aos um por cada quatro no segundo mandato. Segundo o Dr. Medina Carreira passam a ser três a depender do Estado, o que entra e os dois que saem. Ora, este mecanismo, quanto a mim excelente, pressupõe uma coisa que não devia ser estranha ao Dr. Medina Carreira nem a nenhum de nós, que é que o tempo passa. Portanto, as pessoas vão ficando mais velhas, crianças nascem, muita gente morre, as folhas secam, a fruta apodrece, as flores desabrocham, essas coisas. Isto quer dizer que não se pode pegar na fórmula, isola-la de uma qualquer unidade de tempo que permita a sua aferição e mandar uns bitaites. Porque é claro que a formula pressupõe que ao longo de um determinado período de tempo, na proporção de dois para cada um, exista uma transição de pessoas entre a vida activa, a reforma e a morte. Claro que se intencionalmente retirarmos a morte à equação, e é isso que o senhor faz, rapidamente verificamos que em poucos anos Portugal está inteiro na reforma e que então não há solução nem caminho para coisa nenhuma. Quanto a mim estas coisas não se podem pôr com esta leviandade, porque ou se põe a sério e se estudam questões como a esperança de vida, conceitos de frequência, etc. e tal, ou então não se é sério e do que se está a falar é de despedimentos cegos. Para isso mais vale não disfarçar, ser sério e pôr logo o preto no branco.
Para finalizar, diz que os juros bonificados são para casas da burguesia, encara apenas o lado despesista das SCUT’s que é certo que o tem, mas cujo beneficio quer em termos económicos quer na atenuação das assimetrias existe claramente comprovado, tanto na prática como em teoria, e por ultimo, qual Francisco Louça, qual príncipe da demagogia, quer a malta toda a circular por boas estradas, assim tipo IP5 e IP4, à moda da Suécia, em vez das auto-estradas.
Eu gostava de terminar a dizer a esse senhor, e já agora a ti João, que Portugal já gastou mais dinheiro no IP5 e no IP4 a recolher mortos e feridos do que o que precisaria para ter feito logo as duas com perfil de auto-estradas. Tinha valido a pena o endividamento e o aumento do défice respectivo, porque o dinheiro gastou-se na mesma, e as vidas já ninguém as repõe.
Um abraço,
Daniel Fortuna do Couto
2 comentários:
Fortuna,
parabens pelo artigo, embora eu admire o Medina Carreira como pensador e voz activa ( que é fundamental em democracia para se promover o debate), julgo que ele está um bocado ultrapassado e que ficou preso num intervalo de tempo pós 25 de Abril.
Obrigado João Morais, infelizmente não é só ele, é quase o pais todo. Isto começa a parecer aqueles cachorros a tentar morder a cauda, roda roda e não sai dali. às vezes, com um pouco de atenção, até se consegue antecipar em anos o que é que cada um vai dizer.
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