terça-feira, março 01, 2005

o "controleiro"

A pedido de "algumas familias", reponho um texto antigo, escrito no calor de outras opiniões no éter de outras andanças, sobre um tal controleiro da minha rua (pura ficção!):
O “controleiro” da minha rua tem no meigo tom da sua voz, o maior contraste com o odor a putrefacto exalando do sovaco. È que leva apranchado uns papeis impressos e muitos números com referências, seguros por um ginasticado ombro, cuja omoplata, já deformada deste mister, ajuda a segurar o eminente dossiê. Já pensou dividir em capa em duas, comprometeu-se até, mas também não haveria de ter muita pressa, as coisas estão bem assim e assim vão sendo. Aquilo é a sua vida e deu-lhe muito – e pensa ele – merece continuar a demandar, aliás se ele não fizesse ninguém trataria de nada. Sabia que havia uma canalhada, armada em polegarzitos falantes que lhe atazanavam os esquemas mas continuava: resvalam na couraça da minha segurança.
Este homem de pouca inteligência, honestidade que muitos punham em dúvida, tinha esperteza a rodos. Tinha também uma família grande, um bom padrinho e gostava muito do seu clube. Ele era a família, o partido e o clube. Mulheres também, mas às vezes sabia-lhe bem um piteuzinho, olhava o céu e … pums tiro no Pato.

O “controleiro” da minha rua faz como lhe ensinaram fazer, faz para sobreviver, faz para viver e faz porque nem sequer se importa de ser recordado pelo que de errado fez. Valoriza a solidariedade, palavra que aprendeu a usar com mestria no partido. Outra que gosta de usar é “liberdade”, mas hoje depois da ditadura já não tem tanto peso, e sempre lhe fez confusão as interpretações.
Sabe no seu intimo que nada há de especial na sua actividade política antes de 74. Era rapazola, afoito mas avesso a grandes confusões. Hoje era um homem importante, aparecia na televisão, mas aparecia mesmo, amiúde e nas primeira filas, sempre em destaque. Adorava encavalitar-se nas espaldas dos seus camaradas importantes – alguns deles até os trata por tu – e zás lá estava a câmara da Tv . Apreciava depois os telefonemas e as bocas nos encontros casuais de rua. Sabia que era visto. Sabia que sabiam que estava entre bons e famosos. Era um deles, bastava continuar a controlar…

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