quinta-feira, maio 26, 2005

Austeridade: o país e o Porto

Pedro Baptista

O que se esperava das medidas de redução do défice, depois de descoberta a amplitude, era que, se tivessem de incidir na diminuição do poder de compra e portanto na retracção económica e do emprego, incidissem também no agravamento da tributação sobre os rendimentos mais elevados, na maior eficácia da cobrança fiscal (combate à fraude), na diminuição da despesa corrente do Estado (despesas com pessoal) e na diminuição da despesa estrutural (prebendas genéricas dos cargos políticos e reestruturação dos ministérios com vista à diminuição do pessoal).

Foi assim que o primeiro-ministro articulou as medidas que apresentou ao Parlamento. Mas ficam interrogações.

Em primeiro lugar, a subida do IVA não poderá levar, por efeitos retractivos sobre o consumo, à diminuição da massa tributável e portanto a um resultado oposto ao esperado em matéria fiscal? Vai depender de o efeito retractivo ser ao não compensado pelo investimento público, sendo a grande diferença em relação a medidas semelhantes tomadas no passado com efeitos desastrosos.
Em segundo lugar, como proclamar medidas incidentes sobre os chamados “direitos adquiridos” da função pública, que alteram as expectativas de carreira, fora dum quadro da negociação social; em particular depois de dois anos consecutivos de baixa de poder de compra para cerca de 700 mil?
Em terceiro lugar, quantas vezes vimos promessas de austeridade em relação ao funcionamento do Estado que, na prática, não passaram de volátil vapor? Vai o parlamento votar contra o fim das escandalosas pensões vitalícias? E contra os subsídios de reintegração dos que retornam à carreira sem terem tido prejuízos de progressão? E contra as contagens a dobrar de tempo de serviço de autarcas? Vai o Parlamento ser reformado como um ministério, passando as despesas para metade? Os ministérios vão ser emagrecidos sobretudo nas suas sedes onde há a maior concentração parasitária? Vão os gestores públicos ver reduzidos os rendimentos, sabendo-se que a argumentação de que são precisos os melhores, e portanto os mais bem pagos, não passa de música histriónica? Vai surgir uma “nova” moral pública que retome a “velha” moral cívica republicana, que despreze a pacóvia ostentação de objectos simbólicos de riqueza (sobretudo quando a sua aquisição provém dos cofres do Estado), e pelo contrário enfatize a pureza do serviço público? É moralismo? E o contrário é o quê?

O país aceitou a mensagem de austeridade de Sócrates, tanto pelo equilíbrio das medidas, como pela expectativa na sua eficácia. Se a segunda não pode ser defraudada, também a primeira, a das medidas incidentes sobre os “poderosos”, não pode ser desviada. O PS tem maioria absoluta, e Sócrates continua a ter o poder total dentro do partido. Ainda por cima com um PSD sem condições para se opor, e um PP parlamentar que, passada a encenação de responsável, mostra o que é. Pelo que não se compreenderia que, por parte do PS, não fosse feito o que tem de ser feito. Maioria absoluta quer dizer responsabilidade absoluta.


Sentido da responsabilidade e austeridade era também preciso na Câmara do Porto. O falhanço de Rio no Porto é igual ao do PSD-PP no país, tem as mesmas características. A cosmética de austeridade não só parou o Porto como aumentou a dívida da Câmara. Porque o propalado rigor de poupança do Dr. Rio não passa de cosmética, e isso vê-se com toda a facilidade agora que iniciou, a partir da Câmara, a campanha eleitoral. O Governo fala de redução drástica das despesas de publicidade, mas na Câmara do Porto sucedem-se as luxuosas revistas e brochuras de propaganda eleitoral distribuídas “gratuitamente” por todos os munícipes (ou seja pagas por todos eles/nós). Nunca houve dinheiro para nada neste Porto que Rio estagnou e degradou, no entanto não falta dinheiro para fazer asneiras nem obras sumptuários que se destinam unicamente a propaganda eleitoral! No primeiro caso, veja-se como Rio arranjou o imbróglio da saída do Túnel de Ceuta, encarecendo a obra e criando a situação de um túnel sem saída, quando no projecto que estava, não só era muito barato como a saída (no Carregal) já estaria feita há muito. No segundo, veja-se quanto custarão as obras de Rio para transformar a Boavista numa (boa)pista de automóveis de corrida antigos, que não podem tremer senão caem-lhes os parafusos! Seis milhões que diz que a Metro lhe dará por conta da linha da Boavista e que portanto nunca dará porque nunca haverá tal disparate. E o levantamento dos carris no Viaduto? Quanto custou? Quanto custará voltar a pô-los quando para a Câmara voltar gente competente e o Plano de Mobilidade for implementado? E a Circunvalação Oeste-Este transformada numa pista? Quanto? E as obras na Rua da Vilarinha, obras necessárias mas não deveriam ser feitas por causa da corrida, mas sim por causa da população? Mais o resto? Quanto custará a brincadeira eleitoral do Dr. Rio, para recordar o passado com os amigos em vez de construir o futuro para todos? Vinte milhões? Mais? Quanto mais em horas extras para acertar o calendário? Cheirando a eleições onde está a austeridade? Quanto gasta a Câmara em publicações, cartazes, e para certos jornais e rádios lhe fazerem os fretes? E quantas dezenas de milhões ficam para a próxima Câmara pagar pela quantidade de pedidos de indemnização que estão nos tribunais, em muitos casos resultados das incompetências e irresponsabilidades do Dr. Rio?

(in O Comércio do Porto 27 de Maio de 2005)

5 comentários:

Anónimo disse...

Olá Pedro
Sabes o que me provoca mais arrepios nas medidas anunciadas pelo Governo? É o desgoverno que elas vão provocar. Não conheces centenas de pessoas que não pedem recibo porque preferem não tê-lo porque assim não são cobradas de taxa de IVA, e isto passa-se em todas as actividades da sociedade, desde o aluguer das casas à compra do pão. Porque à lata e ganância do prevaricador junta-se a necessidade do consumidor, evitar a taxa do fisco. Quantas pessoas conheces que têm benefícios fiscais porque usam lentes com muitas dioptrias? Eu conheço algumas mas tal como usam e abusam desses benefícios também usam óculos. Pedro somos todos um pouco assim, mas temos que ser diferentes. Temos que ser vigilantes e actuantes de nós próprios nas câmaras, na administração, na Assembleia. Temos que nos reEducar. Agora quero também sentir na carne e na pele o BOA NOVA da economia. Caro Primeiro Ministro, continuo a acreditar em pessoas, e em si, mas é urgente actuar.
Se não nos virmos antes até Domingo!

Anónimo disse...

Ei o encontro foi adiado, ainda não há nova data.
www.porto.taf.net - voces não leem a Baixa do Porto traidores??

Anónimo disse...

Oh,Cristina, que pena. Não nos chame traidores, porque vou já ler tudo. è que é já a seguir.

AM disse...

Só vou amanhã :-)

Acho que adiar o encontro foi uma medida Assisada ;-)

AMNM

Anónimo disse...

Acabei de ouvir o Medina Carreira e o Homem está carregadinho de razão.
Pedro, é mesmo preciso mudar e falar a verdade, é o caminho Certo.
Parem de atirar dinheiro fora! Concordo contigo em muito que propões mas é preciso chamar os que são capazes de agir e fazer. Quem está no Governo ou não.
Fazer, com realismo e enfrentando a dor que possa provocar. Para momentos de crise que se vão prolongar e agravar, atitudes sérias são a solução.