A Obra’ acabou! Podem aplaudir!
Teresa Andresen, arquitecta paisagista. Universidade do Porto.
Ainda na sequência de um comentário que aqui deixei no passado dia ..., venho agora responder ao apelo de Eduardo Souto Moura a propósito da surpresa que manifestou na televisão, na ocasião da apresentação do projecto da Avenida dos Aliados e da Praça da Liberdade, pelo facto de a obra da Rotunda da Boavista, que teria ficado tão bem, não ter recebido aplausos. Embora solicitada na altura, optei por ficar calada. Mas já que há um pedido do arquitecto Eduardo Souto Moura, aqui está uma voz.
Sobre a Rotunda, ficou bem mas, na minha opinião, não merece aplauso sentido. Ficou asseada, de facto. Valoriza a fantástica Casa da Música (terá muito de capricho mas é fantástica (faz ruptura no momento e no sítio certo!). Julgo que ainda poderá estar por construir uma casa de chá no jardim que eventualmente será o pivot do espaço dentro da circular viária que o limita. O ajardinado ali existente é, acima de tudo, a base de suporte e recepção do magnífico monumento de Marques da Silva, ao centro. E, depois, era um espaço com um conjunto arbóreo-arbustivo de interesse assinalável, embora carente de um adequado Plano de Gestão. A herança da envolvente arquitectónica da Rotunda corresponde a uma miscelânea de datas recentes sem uma grande valia a destacar, relativamente a outros espaços da cidade.
Noticiou-se na altura - se a memória não me atraiçoa - que na Rotunda se ia recuperar o traçado inicial. Achei desadequado pois a recuperação era impossível e não era a questão central. A Rotunda foi um espaço de feira e, depois, um espaço onde há largas décadas - quase um século - se valorizou a exposição de flores exigentes em luminosidade. Não há pois lugar à recuperação, até porque apenas o enorme ensombramento entretanto criado inviabiliza essa recuperação a não ser que, por absurdo, se tivesse decidido por um abate mais intenso das árvores. E, não é por acaso que os canteiros apresentavam uma dada modelação. O património das frondosíssimas árvores que ali vivem e foram crescendo, assim como um denso estrato arbóreo que o projecto delapidou excessivamente, não suportaria o rigor de uma recuperação. Para além do mais, todos sabemos que um jardim de dimensão reduzida circundado por um arruamento de tráfego intenso não reúne as condições ideais para o cumprimento das suas funções enquanto jardim. Portanto, a recuperação de um traçado original era uma questão falsa e não era particularmente importante. Deixei-me ficar calada pois não me era difícil antecipar que outros combates, mais oportunos em nome da qualificação do espaço público, estariam para vir. E, isto de criticar a obra de arquitectos que atingem um estatuto de autoridade tem muitos riscos.
Meu caro Souto Moura, é natural que você não saiba o que isto seja! A curto prazo leva-nos a viver a solidão, a incompreensão e até a calúnia, imagine! Suporta-nos uma solidariedade que se vai manifestando devagar. Terá resultados a médio prazo e outros beneficiarão. É um combate desigual’ aquele para o qual estou disponível. Mas vale a pena. Sabe, é preciso ter muita convicção dentro de nós. E a minha convicção é que a intervenção em espaços desta natureza não é uma competência da arquitectura mas sim da arquitectura paisagista. Haverá vantagens em fazê-la em articulação com a arquitectura e com outras áreas profissionais assim como em estar disponível para o debate. A montante, não apenas a jusante.
Vi nesta obra serem cometidos erros graves da arte da jardinagem e da conservação de espaços verdes. Também não seria da sua competência zelar pelo rigor de intervenções em espaços de vegetação notável, como a Rotunda, onde é preciso atender ao valor de cada espécie e do conjunto de espécies, das raízes da vegetação, dos níveis de ensombramento e de compactação do solo, da densidade de plantação. E, talvez também não me devesse ter calado por este motivo. A maioria dos nossos espaços históricos da cidade foi acusada de estar degradada - em vez de se diagnosticar uma deficiente gestão que prevalece - e isto foi motivo para os planos de asseio’ a que muitos deles têm vindo a ser sujeitos. Para quando a intervenção de uma cultura de gestão a par com a cultura do projecto?
Aproveito agora para me dirigir ao Senhor Presidente da Câmara. A Câmara Municipal de Lisboa tem 45 arquitectos paisagistas, a de Oeiras cerca de 20 e entre eles alguns ocupam destacados lugares de chefia no respeitante ao espaço público. A do Porto acho que terá três. Há um défice manifesto de competência no tratamento do espaço público e consequentemente de uma cultura e de autoridade. A Universidade do Porto iniciou há 4 anos uma licenciatura em arquitectura paisagista. A decisão terá sido tardia mas a primeira geração está prestes a surgir. Ela será um recurso mobilizável para a qualidade de vida na cidade e na região e desejo que seja vigilante a favor de um padrão de cidadania participativa e informada sobre estas matérias do interesse colectivo.
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