terça-feira, outubro 04, 2005

A pergunta

Vou abster-me, para já, de discutir a questão do aborto. Em parte porque já aqui publiquei a minha opinião, frontalmente contra qualquer tipo de liberalização, em parte porque se trata de uma temática à qual quero voltar apenas quando necessário e produtivo.
No entanto, a pergunta para o referendo já ai está. Foi já aprovada pela Assembleia da Republica. Acontece que dessa pergunta volta a fazer parte a expressão “…por opção da mulher…”. E só essa pequena expressão é já suficiente para que nenhum cidadão de corpo e mente inteiro venha alguma vez a votar "sim" em semelhante consulta à população.
É certo que a questão do inicio da vida humana e da sua propriedade é algo que está ainda longe do consenso e que é, simultaneamente, o principio e o fim da problemática do aborto, mas esta pequena expressão vai muito para além disso. Ela coloca uma pausa no processo civilizacional obrigando tudo e todos, perante a sua eventual aceitação, a assumir como inequívoca a diferença de direitos entre homem e mulher. Não apenas a diferença de género obviamente constatável, que muitos (?muitas?) foram tentando ignorar ao longo dos anos, mas uma assumida diferença de direitos (dos quais decorrem obviamente distintos deveres) entre os dois sexos. Há um direito maior, concretamente a possibilidade de decidir sobre o destino de uma vida humana, que a mulher, só por ser mulher passa a ter e o homem não. Concretizando ainda mais, ambos se encontram em igualdade de circunstâncias perante o facto, aliás da responsabilidade de ambos, mas apenas um tem direitos sobre ele. Mas que grande machadada no longo caminho para a paridade. Mas que grande tiro no pé que as mulheres, enquanto grupo abstracto (todas as mulheres) dão em si mesmas. Mas que enorme desresponsabilização dos homens em relação aos seus actos.
Se eu bem tenho presente, a conquista civilizacional foi sempre no sentido contrário, e ainda é, de procurar a paridade entre sexos aproximando o homem de uma responsabilização em relação à qual estava muitas vezes alheado, por via dos costumes e do processo evolutivo da espécie humana. Como é possível fazer campanhas e desenvolver projectos para uma maior proximidade do homem em relação às questões dos filhos (da sua própria procriação, porque não dize-lo assim?) e simultaneamente desresponsabiliza-lo fazendo com que não tenha qualquer direito sobre o nascimento resultante de um seu acto procriativo.
E que tipo de homem pode aceitar que, sobre a consequência de um seu acto sexual, apenas à mulher caiba o direito de decidir. Que forma tão estranha de abdicar de sermos gente, que anda no mundo por inteiro, e que perante as consequências dos seus actos se reserva o direito de, pelo menos, decidir.
P.S. Que fique claro que este texto não pressupõe o entendimento de que a vida humana é pertença de algo ou alguem que não esse próprio ser humano, pelo qual todos nós temos obrigação de zelar. Não pressupõe que haja qualquer direito sobre a vida humana por parte dos seus progenitores ou qualquer outra entidade, seja de que natureza for, incluindo divina.

18 comentários:

Anónimo disse...

Independentemente da posição que o Fortuna tenha em relação à problemática do aborto, tiro-lhe o meu chapéu pelo belissimo e importantissimo texto que trás ao blogue sobre os direitos e deveres da mulher e do homem. Nunca fui a favor das cotas da mulher por ser mulher, das associações de mulheres cientistas por serem mulheres e não cientistas e dos prémios especiais para mulheres. Se queremos igualdade de direitos e deveres, temos que ter direitos e deveres iguais.
Parabéns pelo teu Texto.

TAF disse...

Muito bem!
Já aqui
http://taf.net/opiniao/2004/08/o-aborto-verso-2004.htm
também eu tinha escrito o mesmo.

Anónimo disse...

Na verdade, coincide no Sede que dois socialistas apresentem sérias reservas à liberalização do Aborto. No caso o Daniel, que tão bem se expressou e eu, que sempre mantive um sério distanciamento desta matéria.
Tenho pena essencialmente que isto tenha sido a primeira bandeira do PS nos ultimos anos, quando as razões que sustentam a liberalização são consequência da falência de politicas sociais sólidas.
Digo, no entanto, que os movimentos contra o Aborto usam argumentos que não subscrevo minimamente.
Pois assim justiffica-se que se volte ao assunto, nomeadamente os sedentos que são a favor.

Teófilo M. disse...

Caro Fortuna,

tive a fortuna de ler o seu texto, e independente da sua posição sobre a IVG (não gosto de lhe chamar aborto), não posso deixar de estar mais de acordo consigo no que respeita aos direitos da outra parte (o pai) sobre o assunto.

A democracia, ao não querer mostrar-se na sua nudez, tem permitido que sob as suas roupagens se escondam abcessos anti-democráticos que acabaram por fazê-la adoecer, que é o que me parece estar a acontecer neste momento, só espero que o remédio seja bom e chegue a tempo.

Pedro Aroso disse...

Ao contrário do Fortuna, que afirma ser "frontalmente contra qualquer tipo de liberalização", eu sou incondicionalmente a favor. E já agora, faço uma pergunta: nos casos em que uma rapariga engravida e deseja ter o filho, a opinião do pai não deveria ser ouvida? E qual é a vontade que deve prevalecer? Não será a da mãe?

Pedro Aroso

Anónimo disse...

Como disse, não queria discutir o aborto, mas não, não há absolutamente nada a ouvir. Sobre a vida desse ser humano, caro Pedro Aroso, apenas e só ele próprio terá, mais tarde, alguma coisa a dizer. Até lá, compete a todos nós preservar a sua integridade fisica e psicológica. A menos que não estejamos a falar de um ser humano. Talvez os nossos amigos bio investigadores nos possam dizer algo sobre isso.

Anónimo disse...

o ke actualmente justifica o acto :
Violação
defeciencia

são razões logicas e legais.

não ter recursos finaceiros, vidas precarias - justificam o acto?
familia numerosa - justifica o acto?
falta de preparação mental da mãe/ pai, justifica o acto?
pobreza extrema , justifica o acto?
filho incognito, justifica o acto?

Actualmente a lei não permite estas justificações, mas continua a não penalizar quem faz abortos sem «justificações» legais, é uma especie de regra sem consekuencias.

Se a unica forma de evitar clinicas de choke é legalizar e regulamentar uma evidencia, axo ke sim, desde ke os criterios fikem já bem definidos.

A regulamentação da IVG tem ke assentar basicamente nos mesmo parametros da lei actual , de contrario corremos o risco de tornar o acto demasiado subjectivo...

assim a unica coisa ke muda são os locais de atendimento.

Isto claro contando com o bom senso da classe medica.

TAF disse...

Caro Pedro Aroso, "incondicionalmente" é certamente um termo demasiado forte para o que realmente pensas, certo? Pelo menos tens em conta o tempo de gestação...
A minha opinião sobre o assunto se calhar já a conheces:
http://taf.net/opiniao/2004/08/o-aborto-verso-2004.htm.

O problema da violação é, quando se pensa racionalmente nele, um aspecto em que a lei actual é incoerente: o valor da vida gerada tem algo a ver com a forma como foi gerada?
Um filho gerado contra vontade é uma pessoa com menos dignidade do que as outras? E os "filhos da puta", na verdadeira acepção do termo, também são menos do que os outros?
Então por que razão é que os prazos para aborto são diferentes conforme é ou não é violação?

Pedro Aroso disse...

Caro Tiago

Quando uma mulher tem um aborto espontâneo (qualquer que seja o prazo) é costume fazer-se o funeral do feto? Não me parece. No entanto, segundo a tua linha de pensamento, trata-se de um filho...
Eu sou incondicionalmente a favor do aborto até às 24 semanas porque, para mim, pior do que praticar um aborto, é dar vida a ser humano indesejado.

Pedro Aroso

Anónimo disse...

Vamos pesar isto:

Um ser humano indesejado é um condenado à partida?
de um universo de 20 orfãos ou filhos indesejados, kantos conseguem ter um nivel de vida aceitavel?
Não ser desejado implica mazelas significativas, para a criança/adulto?
Não sendo desejado , poderá vir a ser amado ou ter um lar?

do outro lado da balança:

Kem somos nós para definir as reponsabilidades pessoais sobre o acto?
temos direito de obrigar os outros a assumirem responsabilidade sobre algo ke não desejam?
Podemos imputar o desleixo ke há com algumas crianças, ao facto de estas não terem sido desejadas?
é legitimo ke a practica continue e seja feita sem as minimas condições?
Afinal o ke é ke pode levar a tomar uma decisão desse tipo?
Porke é ke não se deseja esse filho?



E não ser desejado é suficiente?

... ei esperem , esta é boa, não ser desejado pode acontecer a kalker um , mesmo depois de adulto, nesse caso o ke devemos fazer a um adulto ou jovem indesejado? (não tem nada haver pois não? deixem-lá . continuem)

AM disse...

Já estive mais perto da posição do Pedro Aroso (livra) do que da do Fortuna.
Entretanto fui pai, assisti (dentro do possível) ao processo de criação e, agora já não seria capaz de decidir, se tivesse essa responsabilidade.
É agora um assunto sobre o qual tenho cada vez menos certezas e é talvez o único em que se torna mais cómoda (mas ainda mais fundamentada) a minha posição de abstencionista.
Tenho a certeza que, independentemente da lei ou dos resultados dos referendos, é verdade as mulheres ricas irem fazer tratamentos a Londres, as remediadas a badajoz e as pobres à abortadeira do bairro, e isso é desumano e deve envergonhar a todos independentemente da nossa posição política.
Tenho a certeza que, mais do que a qualquer outro assunto, este não pode nem deve ser resolvido (desresponsabilizado) por um referendo:
É UMA COBARDIA.

Compete ao poder legislativo, ouvido o parecer de todas as autoridades científicas, sociais, morais (até religiosas) e outras que se entendam úteis, DECIDIR e ASSUMIR A RESPONSABILIDADE por essa decisão.

Referendo nesta matéria é que não.
(se mais fora necessário, lembro que o voto do pai da Vanessa valeria tanto como o meu, se eu me rebaixasse a votar, RECUSO)

AMNM

TAF disse...
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
TAF disse...

Às vezes há factos que justificam o esforço que se faz a "blogar" as próprias opiniões. Nem de propósito, hoje alguém chegou a este meu texto
http://taf.net/opiniao/2004/08/o-aborto-verso-2004.htm
vinda do Brasil através desta pergunta no Google "Preciso fazer um aborto. O que devo fazer?"
Será que leu o que escrevi? Será que ponderou melhor? Será que ajudei a salvar uma vida?

Pedro Aroso disse...

Se bem me recordo, há umas semanas atrás o Moreira dizia, a propósito da Av. Aliados, que os eleitos não tinham legitimidade para o representar. Pois bem, agora vem dizer que compete aos eleitos decidirem por ele numa matéria tão delicada como é a Lei do Aborto! Será que sou eu que estou a ficar maluco?

Pedro Aroso

Anónimo disse...

umas semanas? acho ke foi ontem...

AM disse...

"Se bem me recordo, há umas semanas atrás o Moreira dizia, a propósito da Av. Aliados, que os eleitos não tinham legitimidade para o representar. Pois bem, agora vem dizer que compete aos eleitos decidirem por ele numa matéria tão delicada como é a Lei do Aborto! Será que sou eu que estou a ficar maluco?

Pedro Aroso"

Se eu tivesse tempo (e achasse que valia a pena) dava-me ao trabalho de, mais uma vez, tentar explicar, assim, olhe, se estiver mesmo interessado vá ao Provotar e tente perceber, se não....

AMNM

Teófilo M. disse...

Caro Pedro,

creio que a vontade a ser respeitada deveria ser aquela que permitisse que a criança nascesse e se responsabilizasse pela sua criação, independentemente de ser pai, ou mãe, ou até avós e irmãos, desde que legalmente responsáveis e responsabilizados.

Cumprimentos

Pedro Aroso disse...

Moreira:

A sua resposta é eloquente e reveladora do seu QI.

Pedro Aroso