quarta-feira, outubro 12, 2005

O voto de protesto

Pese embora a rápida demarcação do Sócrates em relação ao resultado das últimas autárquicas, a verdade é que todos sabemos - e ele também - que grande parte dos maus resultados obtidos pelo PS têm a ver com o Governo, representando por isso um voto de protesto razoavelmente generalizado ao País todo para se poder retirar esta ilacção.

Tratando-se de um voto de protesto - ao menos em parte -, ele é simultaneamente injusto e precipitado.

Injusto, porque é bem possível que o país esteja efectivamente numa situação lastimável, do ponto de vista das finanças públicas e que por detrás das piores medidas do Governo, exista um patético esforço para salvar o que é possível do velho Estado Social ou de Providência.

Como socialista, insisto que os Governantes PS devem persistir nesse esforço, resistindo ao neoliberalismo feroz, com a desprotecção dos mais fracos que lhe é inerente - e há tantos mais fracos no nosso País! - que aparece sempre escondido por detrás dos melhores e mais sofísticos discursos do Estado mínimo, tão em uso nos nossos dias.

A favor desta apreciação - do carácter injusto do protesto contra as difíceis medidas que têm sido aplicadas pelo Governo e que envolvem, ainda que talvez a título meramente simbólico, a eliminação ou a restrição drástica de muitos privilégios que os portugueses nem sequer conheciam - está o anunciado exemplo da Alemanha.

Aí a coligação CDU, que acabou por ser vencedora de uma eleição federal complicada, ainda que a reboque de um derrotado SPD, numa edição interessantíssima de um Bloco Central alemão, tentará suprimir direitos sociais, reduzir as despesas públicas de carácter assistencialista, contrabalançando uma prevísivel quebra de receita pública que se fará à custa da diminuição da tributação das empresas. A ideia é, pois, de mercado, no sentido de que, menores impostos implicam menores custos para as empresas e, por essa via, a reanimação da actividade empresarial no país. É uma ideia neoliberal clara, que se traduz no recuo do Estado para fazer funcionar o mercado.

É talvez possível chegar lá por esta via, mas quanto está o Estado alemão disposto a abdicar de receita fiscal para que essa poupança para os privados funcione realmente como um incentivo? E, entretanto, como sobrevivem ou de que sobrevivem os atingidos pela supressão ou redução de apoios sociais públicos?

Por isso, digo, protesto talvez injusto. Porque se a orientação do Governo tiver de facto como propósito seguir outra via que não passe pelo desmantelamento do Estado Social, então esse é o caminho que se esperaria de um Governo do PS. Independentemente da verificação - que é sempre a posteriori - dos resultados obtidos.

Mas disse também que é um protesto precipitado. Com efeito, é um protesto sobre um período de governação de seis meses num horizonte normal de quatro anos. Quer-me parecer que nenhum Governo ou nenhuma autarquia sobreviveria a um juízo eleitoral seis meses após o início da sua actividade. Salvo se governasse a pensar nesse juízo eleitoral mais do que nos interesses e imperativos do País. O que todos concordamos que é errado, populista e demagógico, mas aparentemente, dá resultados imediatos e no imedidato, oculta o custo verdadeiro do adiamento das soluções. Ora, este Governo não foi por esse fácil caminho e, dessa forma, claramente se pôs a jeito.

Precipitado ainda por outra razão. Eu não sou daqueles que pensa que com a anunciada vitória presidencial do Prof Cavaco, o país vai mergulhar de novo em eleições legislativas antecipadas. Não deve e não pode. Ou então, esses que pensam que o Prof é capaz de uma tal irresponsabilidade, melhor farão em não votar nele.

O que significa que (espero) - mais do que creio - que o Governo, legitimado com uma maioria absoluta, conclua o seu mandato. E isso quer dizer que talvez no termo do seu mandato, por entre recuperação financeira, crescimento económico e algumas e indispensáveis medidas eleitoralistas - o Governo pode ser competente, mas é como todos, nestas coisas das suas próprias eleições, não será parvo - pode acontecer que os mesmos eleitores que agora o castigam, venham a votar no PS e a manter ou a reforçar até a sua maioria absoluta.

Injusto e precipitado, pois. Mais ainda porque se punem terceiros - os candidatos socialistas às eleições autárquicas - por erros (?) que não são seus e que decerto eles preferiam que não tivesem ocorrido nesta altura.

É por isso também que me apetece dizer, antes de apontar implacavelmente o dedo aos ditos candidatos, que eles estiveram nestas eleições em clara posição de desvantagem relativa comparativamente aos seus adversários. Nem por outra razão, os distintos Marques Mendes e Jerónimo de Sousa andaram a calcorrear esse país fora. Não me consta que tivessem concorrido a alguma Junta de Freguesia, Assembleia Municipal ou Presidência de Câmara.


2 comentários:

Anónimo disse...

Ora muito bem vindo!
Grande texto com o qual voltamos aos bons velhos tempos e à grande politica. Um abraço.

AM disse...

Pois muito bem vindo e excelente entrada ;-)

Outro abraço
AMNM