Olhando para trás, para um passado relativamente recente verificamos que aquilo que se designou chamar “Movimento Moderno” tem uma correspondência muito mais do que temporal com o advento dos socialismos no mundo. É certo que também com o fascismo e em estreita relação com Mussolini, embora de curta duração.
Grosso Modo, existe uma correspondência directa entre a esquerda tal como foi vivida ao longo do Sec. XX e o Movimento Moderno, para o bem e para o mal.
Não é aliás coisa de estranhar, não só pela correspondência temporal, como também pela partilha de valores, e até por se tratarem, não poucas vezes dos mesmos intérpretes.
A grande generalidade dos Arquitectos e Urbanistas do Sec. XX foram homens de esquerda, muitos com posições destacadas nos respectivos partidos.
A expressão “Mudar o Mundo” talvez seja a que melhor sintetize o espírito que orientou e informou toda esta correspondência. À vontade politica que conhecemos de criar uma nova Sociedade sem classes, nas suas várias nuances e expressões (atenuar as diferenças de classes pode ser uma delas) correspondeu todo um movimento cultural e artístico, com especial relevância na arquitectura e urbanismo que, partilhando o ideal, pretendia criar uma nova arquitectura e uma nova paisagem para a nova sociedade não burguesa que estaria a surgir.
Da mesma forma que podemos considerar o comunismo soviético como uma das expressões mais radicais dos movimentos sociais do Sec. XX, também a famosa Carta de Atenas foi a expressão mais radical do Movimento Moderno na arquitectura e urbanismo. Os modelos propostos por Le Corbusier, por vezes muito distantes da sua própria pratica profissional, chegavam mesmo a limites hoje considerados criminosos. A construção de novas cidades europeias no lugar das medievas cidades burguesas. A destruição dos seus centros históricos, para dar lugar à nova cidade, feita com novas regras, destinada a novas formas de fruir a vida e à utilização intensa do automóvel.
Na arquitectura, no urbanismo, enfim, nas cidades, como no resto, em princípio, cabe à esquerda propor rupturas e à direita, conservadora, manter sistemas.
Não é pois por acaso que surgem recentemente em Portugal as SRU’s, e no caso do Porto, com a dimensão absolutamente despropositada que assume. Esta ideia de reabilitação em massa da cidade tradicional não pode ser vista isolada da vaga conservadora que ascendeu aos poderes e às mentalidades nos últimos anos.
Por um lado porque não se trata de reabilitar a memória de um passado que se nos revela nostálgico, e que se materializaria na recuperação selectiva de alguns bairros mais representativos; a memória nostálgica da cidade pré-industrial que invariavelmente nos seduz, mas que sabemos todos perdida nos atropelos do nosso tempo.
Não se trata também de propor nada de novo para velhos espaços, a necessitar de maior ou menor cuidado colectivo. Não!
O que POR AQUI se trata é de fazer nova a velha cidade, a cidade de outrora. Do que se trata é de fomentar um modelo urbano retrógrado por aproveitamento de uma certa retracção das mentalidades, própria de momentos de menor euforia social.
Sendo certo que as expressões mais radicais quer dos movimentos sociais quer do Movimento Moderno foram fracassando ao longo do Sec. XX, isso não significa, de forma alguma, a renuncia a alguns dos valores progressistas que informaram e conformaram tanto a cidade quanto a sociedade. A descontinuidade do avanço não o invalida e não restam duvidas que vivemos hoje numa sociedade mais justa e mais igualitária do que a resultante da revolução industrial. Ou, se se preferir, do que aquela que muitos de nós ainda recordam do Portugal pré 25 de Abril.
Pela mesma ordem de ideias, a verificação da falência de um modelo urbano não significa que deixemos de procurar novas formas para novos espaços que correspondam melhor às expectativas e principalmente, à vida, das pessoas. Significa, isso sim, que foi possível ir mais além, e que, entretanto, algumas coisas ficaram resolvidas.
É precisamente o caso dos bairros sociais na cidade do Porto, que vistos à luz dos nossos dias e com os olhos de algumas mentes bem pensantes, adeptas fervorosas dos novos liberalismos e de formas individualistas de viver em sociedade, se revelam monstruosidades sociais, tal a quantidade de problemas que acarretam e tal a forma como atentam à dignidade do cidadão. Pensam ser preferível nunca ter enveredado por tais caminhos urbanísticos que na sua ideia servem apenas para limitar as liberdades e capacidades de cada um se afirmar, esquecendo-se de que aquilo que HOJE observam é a falência de um modelo, própria do seu esgotamento temporal. Esquecendo-se mesmo do estado das coisas anterior ao aparecimento desse modelo/solução, nomeadamente dos problemas que, entretanto, ele ajudou a resolver. Esquecendo até o mais importante, que a cidade “maravilhosa” do tempo dos nossos avós era só para alguns desses avós. Os restantes, todos sabemos como viviam.
Procurar, no despertar do Sec. XXI, reabilitar a cidade oitocentista (que em Portugal não tem directa correspondência temporal, pelas razões por todos identificadas) poderia significar a abertura de uma janela para o futuro. No entanto, os sinais que tem sido possível interpretar não o confirmam. Bem pelo contrário, indiciam a vontade, ora explicita ora camuflada, de caminhar em marcha-atrás para uma tradição modernizada. No fundo, e porque se trata do plano da vontade, e portanto genuinamente politico, a acção, embora revestida de modernidade, é do mais conservador e retrógrado que é possivel conceber.
No caso do Porto, o Presidente da Câmara vai mesmo mais longe e, consistindo a Porto Vivo o seu único, repito, único legado pretende ainda concluir o mandato com as corridas de tão boa, mui nobre e antiga memória. Qual cereja no cimo do bolo a servir de corolário a toda uma ideia bafienta da vida em sociedade e da sua materialização física.
A história, como todos sabemos, tem-se revelado cíclica, pelo que se espera, a breve prazo, uma nova inversão das mentalidades e uma nova AMBIÇÃO.
Portugal e o Porto, como é natural, não serão imunes e correm o risco até de se encontrar numa situação de certa forma pioneira.
Os protagonistas dessa nova ambição, que poderão muito bem ter já saído do novo ciclo político agora iniciado e que se reafirmará brevemente, terão que ter em conta novos parâmetros e sempre mais elevados graus de exigência. Mas não poderão abdicar da procura, sempre renovada, de novos modelos urbanísticos adequados aos novos tempos, que coloquem as nossas cidades, e principalmente o Porto, definitivamente na contemporaneidade.